A psicologia da criança interior

“No adulto está oculta uma criança, uma criança eterna, algo ainda em formação e que jamais estará terminado, algo que precisará de cuidado permanente, de atenção e de educação. Essa é a parte da personalidade humana que deveria desenvolver-se até alcançar a totalidade” (Jung, 1934/1986)

A criança interior é uma parte da nossa mente que experimentou a vida e se adaptou a certos comportamentos e padrões para sobreviver. Ela representa uma parte inconsciente de nossa mente, onde carregamos nossas necessidades não satisfeitas, emoções reprimidas da infância, nossa criatividade, intuição e capacidade de brincar. A criança interior é aquela que se manifesta em nós e cujas experiências ainda não “foram embora”. Muitas vezes, ainda vemos o mundo através dos olhos de nossa criança interior.

O relacionamento que tivemos com nossos pais em nossa infância molda cada relacionamento que temos na fase adulta. Quando crianças, devemos aprender a nos expressar, dizendo como nos sentimos. Precisamos de uma figura adulta para nos guiar em meio às “grandes emoções” vivenciadas nessa fase. Queremos e precisamos ser vistos e ouvidos pelos nossos pais. Mas a maioria de nós nasceu de pais que carregam seus próprios traumas não resolvidos, herdados de seus próprios pais. Desta forma, também é difícil para eles saberem como regular suas próprias emoções e, portanto, não conseguem lidar bem com as nossas.

Buscamos então lidar com essa realidade, adaptando-nos. Para a maioria de nós, isso significa agradar aos nossos pais, de forma a nos tornarmos o que eles esperam que sejamos. A tendência, em geral, nessa busca para agradar aos pais, é que nos comportemos da maneira que eles valorizam e veem como “boa”, e rejeitemos as partes de nós mesmos que são vistas por eles como vergonhosas ou “más”.

A criança interior ferida

Todas as emoções não resolvidas, necessidades que não foram atendidas e situações dolorosas em que nos sentimos assustados ou violados não desaparecem simplesmente. Elas existem dentro de nós, criando uma lente através da qual passamos a enxergar o mundo. Uma criança interior ferida nos causa:

  • Baixa autoestima
  • Imagem corporal distorcida
  • Medo de críticas
  • Resistência a mudanças
  • Profundo medo de abandono nos relacionamentos

Essas vivências em nossa infância podem fazer com que nossas fantasias infantis se tornem recorrentes e venham à tona em diferentes situações em nossa vida adulta. As fantasias da criança interior funcionam como professores que nos permitem ver onde precisamos de cura. Precisamos honrar a parte de nós mesmos que não conseguiu o que precisava em uma fase muito importante do nosso desenvolvimento.

As “verdades” que nos foram ditas

Em geral, a criança toma tudo que lhe é dito como verdade, principalmente se essas falas são pronunciadas por pais, professores, avós ou demais pessoas que a criança entende como sendo importantes ou referências em sua vida. Acontece, porém, que nem todas as coisas que ouvimos nessa fase de nossas vidas foram positivas, e isso, infelizmente, pode ter nos deixado confusos, assustados e até mesmo desconectados de nossa natureza infantil. Alguns exemplos comuns dessas falas entendidas pela criança como “verdade” são:

  • “Você é muito…” (chato, fraco, sério, barulhento, burro, etc.)
  • “Você não é bom o suficiente em…” (matemática, esportes, fazer amigos, etc.)
  • “Você não tem modos”
  • “Você deveria ser como…” (seu irmão, seu colega, seu primo)
  • “Desse jeito, você nunca terá…” (amigos, emprego, um amor)
  • “Foi culpa sua se eu…” (gritei, te bati, fiquei zangado)

Sinais de que sua criança interior pode estar ferida

  • Medo de receber críticas
  • Medo ou vergonha de se expressar em algumas situações
  • Tendência a esperar que outras pessoas falem primeiro para saber o que é “certo” fazer ou dizer, ou de que forma se posicionar
  • Colocar-se em situações onde se tenta ajudar ou “salvar” alguém
  • Dificuldade em dizer “não”
  • Sentir-se responsável pelas emoções dos outros

Esses são apenas alguns exemplos de como a criança interior ferida se expressa.

O que ocorre na maioria das vezes é que não damos a devida atenção a esses sinais. Nossa tendência é descartar ou invalidar essas emoções, como o pai ou a mãe fizeram no passado. Dessa forma, mantemos o ciclo, e nossa criança interior permanece não sendo ouvida, se manifestando em momentos de nossa vida adulta em que somos confrontados com experiências que nos remetem a alguma situação já vivida.

Como acolher e lidar com nossa criança interior?

Neste exato momento, nossa criança interior está experimentando incertezas, medo e confusão. Quando comecei a acolher minha criança interior, percebi quantas vezes neguei minha própria realidade. Quanta dúvida e medo carreguei. Começar a validar (ouvir e ver) a criança interior como um pai amoroso e sábio pode parecer estranho ou bobo no início. Não se assuste, é perfeitamente normal. O ego vai resistir a este trabalho porque está sempre procurando proteger a criança interior. O ego dirá coisas como “isso é bobagem” ou “que perda de tempo”. Apenas observe, pois isso faz parte do processo.

O trabalho com a criança interior causa empatia por nós mesmos, por nossos pais e até pelos outros, pois, muitas vezes, a partir da cura de nossa criança, conseguimos sentir a criança interior de outras pessoas se manifestando diante de alguma situação.

Acessando nossa criança interior

Existem muitas técnicas que nos ajudam a acessar nossa criança interior, e muitas emoções surgirão à medida que esse “contato” for acontecendo. Seguem alguns exercícios que você pode usar para iniciar um processo de resgate de sua criança interior: Repita então as frases seguintes para sua criança interior:

  • “Eu estou segura(o) sendo eu mesma(o).”
  • “Você está segura(o) agora.”
  • “Está tudo bem sentir medo, eu estou aqui, entendo seus medos e protejo você.”
  • “Você não precisa ser o que não é para agradar os outros, e eu também não preciso ser assim.”
  • “Nossos pais são seres humanos feridos também, que podem ter, inconscientemente, projetado seus traumas em nós. É importante perdoá-los.”
  • “Eu te amo, eu me amo. Nós estamos seguras(os) agora.”
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